Evidências Covid 19

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Como a COVID-19 está associada a sequelas psiquiátricas?

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Ansiedade e depressão em sobreviventes da COVID-19: Papel dos preditores inflamatórios e clínicos

SCHEINKMAN, Lilian

MAZZA, M.G. et al. Anxiety and depression in COVID-19 survivors: Role of inflammatory and clinical predictors. Brain, Behavior, and Immunity, v. 89, p. 594-600, Jul. 2020. Doi 10.1016/j.bbi.2020.07.037 Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7390748/

Sabemos que processos infecciosos podem causar alterações do sistema imune e estas podem levar a alterações psicopatológicas tanto agudas como duradouras. Sequelas psiquiátricas já foram descritas após exposição ao coronavirus em epidemias anteriores como a SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome) e a MERS (Middle East Respiratory Syndrome). Sobreviventes da SARS relataram sintomas psiquiátricos como Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), depressão, transtorno de pânico e transtorno obsessivo-compulsivo em avaliações de seguimento de 1 a 50 meses.

Considera-se que os coronavirus poderiam induzir sequelas psicopatológicas através de infecção viral diretamente no sistema nervoso central ou indiretamente através da resposta imunológica. Estudos clínicos, post mortem, in vitro e também em animais têm demonstrado que os coronavirus são potencialmente neurotrópicos, podendo causar dano neuronal.  Além da possível infiltração cerebral, a tempestade de citocinas (cytokine storm) envolvida na resposta imune pode ainda causar sintomas neuropsiquiátricos por precipitar neuro-inflamação.

Levando em conta a evidência prévia a partir de epidemias de SARS e MERS e estudos preliminares em COVID, os autores estudaram a hipótese de que os sobreviventes de COVID-19 teriam um aumento na prevalência de condições psiquiátricas como Transtornos de humor, Transtornos de ansiedade, TEPT e insônia.

Foram rastreados 402 pacientes sobreviventes de COVID-19, atendidos no Hospital San Raffaele, em Milão, no período de 6 de abril a 9 de junho de 2020.  Os pacientes foram submetidos a avaliação clínica, eletrocardiograma, gasometria e análise hematológica (hemograma completo e PCR) e encaminhados para internação ou tratamento em residência, de acordo com a gravidade do quadro.

A avaliação psiquiátrica foi realizada por psiquiatra, através de entrevista clínica não estruturada na visita de seguimento, cerca de um mês (28 +- 15.7  dias ) após a alta hospitalar ou o atendimento no setor de Emergência.  Foram aplicados questionários de auto-avaliação de psicopatologia* englobando os sintomas de TEPT, depressão, ansiedade, sintomas obsessivo-compulsivos e insônia, e foram utilizados os pontos de corte recomendados na literatura para delimitação de patologia. Logo após a avaliação psiquiátrica, foi avaliada a saturação de oxigênio como medida de eficiência respiratória. Foram utilizados também os dados de prontuário clínico, dados eletrônicos e, quando necessário, informações de familiares. Dados sociodemográficos e clínicos foram coletados, incluindo idade, sexo, história psiquiátrica, duração da hospitalização e marcadores inflamatórios no início do quadro.

Os autores observaram que uma proporção considerável dos pacientes atingiu níveis patológicos nos sintomas das auto-avaliações: 55,7% estava na faixa clínica em ao menos uma dimensão de psicopatologia; 36% em duas dimensões, 26% em 3, e 10% em 4. A gravidade de sintomas depressivos incluiu também pacientes com ideação e planejamento suicida.

Mulheres e pacientes com história psiquiátrica prévia apresentaram maiores índices de psicopatologia em todas as dimensões, corroborando estudos anteriores e sugerindo que sexo feminino e história psiquiátrica prévia possam ser considerados fatores de risco para psicopatologia pós COVID-19.  Pacientes tratados ambulatorialmente apresentaram maior frequência de ansiedade e de alterações de sono e a duração da hospitalização apresentou correlação inversa com sintomas de TEPT, depressão, ansiedade e sintomatologia obsessivo-compulsiva. Os autores consideram que esse achado possa estar relacionado a menor apoio de cuidado em saúde nos pacientes em regime ambulatorial, o que poderia ter aumentado o isolamento social e a solidão típicas da pandemia de COVID-19, gerando maior psicopatologia após a remissão. Pacientes jovens apresentaram maiores índices de depressão e alterações de sono, em acordo com estudos anteriores sobre o impacto psicológico da pandemia de COVID-19 em pessoas mais jovens. Nem os marcadores inflamatórios iniciais nem o nível de saturação de oxigênio no seguimento apresentaram correlação com sintomas de ansiedade, depressão, insônia ou TEPT, mas houve tendência a correlação entre alguns marcadores inflamatórios iniciais e sintomas obsessivos-compulsivos no seguimento.

Nesse estudo, foram encontradas altas taxas de TEPT, depressão, ansiedade, insônia e sintomatologia obsessivo-compulsiva, em consonância com achados de estudos realizados em surtos anteriores de coronavirus.

Os autores ressaltam que as consequências psiquiátricas do SARS-CoV-2 podem ser causadas tanto pela resposta imune ao próprio vírus como pelos estressores psicológicos como: isolamento social; impacto psicológico de uma doença grave, pouco conhecida e potencialmente fatal;  receio de infectar os outros; e estigma.   Os autores apresentam, na discussão, possíveis vias através das quais os sistemas imunes e mecanismos psicopatológicos de doenças psiquiátricas possam interagir. 

Eles sugerem que a avaliação de psicopatologia em sobreviventes de COVID-19 seja realizada rotineiramente de forma a diagnosticar e tratar condições psiquiátricas iniciais, monitorando sua evolução e reduzindo as consequências que podem ser significativas nesses pacientes. Consideram ainda que esse acompanhamento poderá auxiliar na investigação de como a resposta imune-inflamatória poderia se traduzir em doenças psiquiátricas, o que aumentaria nosso conhecimento sobre a etiopatogenia das doenças mentais.

 

* Questionários utilizados no estudo: Impact of Events Scale-Revised (IES-R) (Creameret al., 2003), PTSD Checklist for DSM-5 (PCL-5) (Armour et al., 2016), Zung Self-Rating Depression Scale (ZSDS) (Zung, 1965), 13-item Beck’s Depression Inventory (BDI-13) (Beck and Steer, 1984), State-Trait Anxiety Inventory form Y (STAI-Y) (Vigneau and Cormier, 2008), Medical Outcomes Study Sleep Scale (MOS-SS) (Hays et al., 2005), Women’s Health Initiative Insomnia Rating Scale (WHIIRS) (Levine et al., 2003), and Obsessive-Compulsive Inventory (OCI) (Foa et al., 2002).

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