BUSCH, I. M. et al. What We Have Learned from Two Decades of Epidemics and Pandemics: A Systematic Review and Meta-Analysis of the Psychological Burden of Frontline Healthcare Workers. Psychotherapy and psychosomatics, v. 90, n. 3, p. 178-190, feb. 2021. Doi:10.1159/000513733. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33524983/
Surtos de doenças infecciosas emergentes e reemergentes são considerados uma ameaça recorrente em todo o mundo, impactando diretamente os sistemas de saúde e os profissionais que neles atuam.
Considerando a alta carga psicológica de profissionais de saúde em situações de surtos de grande proporção, o artigo apresenta resultados de estudos sobre os impactos desses contextos na saúde mental e no desempenho no trabalho desse grupo. A partir de uma revisão sistemática e de meta-análise, os autores apresentam um levantamento dos sintomas psicológicos e/ou psicossomáticos de profissionais de saúde na linha de frente em epidemias e/ou pandemias ocorridas nos últimos vinte anos.
Para tanto, elegeram como critérios de inclusão para a seleção de artigos: 1) estudos que abordassem tais sintomas em profissionais de saúde que atuaram com pacientes infectados ou com suspeita de H1N1, Ebola, doença respiratória aguda grave (SARS), síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) e/ou Covid-19; 2) profissionais que trabalharam em ambientes de alto risco de exposição a essas doenças; 3) estudos que apresentassem resultados originais; e 4) estudos que relatassem quantitativamente os impactos psicológicos nesses surtos específicos.
A análise dos 86 estudos incluídos na revisão evidenciou um alto índice de prevalência dos seguintes sintomas: preocupação em transmitir o vírus para a família, estresse percebido, preocupações com a própria saúde, dificuldades para dormir, burnout, sintomas de depressão, sintomas de ansiedade, sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, problemas de saúde mental e sintomas de somatização.
A percepção de falta de controle da vida profissional e pessoal é levantada como aspecto gerador de sofrimento psicológico, reforçado pelo número alto de infecções entre profissionais nessas epidemias.
Um dado que chama a atenção em alguns estudos sobre a Covid-19 é o relato de níveis maiores de sintomas de transtorno de estresse pós traumático, esgotamento, ansiedade e traumatização entre os que não atuavam na linha de frente. Os autores sugerem, além de outros aspectos, que isso pode ser explicado pela maior disponibilidade de apoio, informações e equipamentos para esse grupo.
Citam descobertas de estudos sobre a importância do reconhecimento e administração de sintomas de estresse, sensação de falta de controle, ansiedade, depressão e insônia. Se não administrados e bem conduzidos, esses sintomas podem levar a sobrecarga alostática e burnout.
Esses e outros achados indicam evidências dos impactos desses surtos na saúde mental desses profissionais, reforçando a necessidade de se pensar em estratégias de suporte para os que atuam e já atuaram na atual pandemia de Covid-19. Os autores citam como desafios no contexto pandêmico atual, os altos níveis de estresse, questões éticas que atravessam a atuação desses profissionais (como a decisão de alocação de ventiladores pulmonares) e casos de suicídio. Como ações para minimizar tais impactos, citam a assistência familiar, informações atualizadas e claras às equipes, apoio psicológico, flexibilização dos horários de trabalho pelos gestores, primeiros cuidados psicológicos, além de atividades que aumentem a resiliência, senso de auto eficácia e pertencimento.
A principal contribuição do artigo é apresentar ações de saúde mental para o pós pandemia, reconhecendo os impactos a longo prazo.
Como limitação, destaca-se a afirmação de que a pandemia de Covid-19 não pode ser comparada a outros desastres, por não estar “confinada no tempo e no espaço”. Essa demarcação acaba deslocando o desastre de seus impactos subsequentes e causas sócio históricas, atribuindo sua ocorrência a eventos naturais, ou seja, naturalizando-o. A atemporalidade dos desastres demanda estratégias duradouras e o reconhecimento de que seus impactos repercutem em dimensões e períodos que não podemos mensurar.