VOYSEY, M. et al. Single-dose administration and the influence of the timing of the booster dose on immunogenicity and efficacy of ChAdOx1 nCoV-19 (AZD1222) vaccine: a pooled analysis of four randomised trials. The Lancet, v. 397, n. 10277, p. 881-891, Fev. 2021. DOI: 10.1016/S0140-6736(21)00432. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(21)00432
O artigo analisa a imunogenicidade e a eficácia da vacina ChAdOx1 nCoV-19, também conhecida como Oxford-AstraZeneca, com a finalidade de analisar o efeito de uma única dose e a influência do tempo na aplicação da dose de reforço, no caso das duas doses.
O imunizante Oxford-AstraZeneca é uma vacina de vetor viral, contendo o material genético completo da proteína spike, e sua segurança e imunogenicidade foram determinadas em 4 estudos randomizados, duplo-cego e controlados realizados em 3 diferentes países: Reino Unido, Brasil e África do Sul. A eficácia da administração de 2 doses foi de 70,4, na análise de dados intermediária, e resultou na aprovação para uso emergencial no Reino Unido, respeitando o regime de 2 doses e intervalo de 4 a 12 semanas entre as doses, para maiores de 18 anos. Desde então a vacina foi aprovada para uso em diversos países.
Os estudos iniciais da Universidade de Oxford previam apenas uma dose do imunizante, sendo modificados apenas após a revisão dos dados de imunogenicidade da fase 1, que mostraram aumento de anticorpos neutralizantes após uma segunda dose. Em função dessa modificação no protocolo, vários participantes do estudo inicial escolheram não receber a segunda dose, resultando em uma coorte auto selecionada. Adicionalmente, em função do tempo para manufaturar novas doses, houve atrasos na aplicação da segunda dose. Essas situações acabaram resultando em oportunidade para analisar a imunogenicidade e a eficácia de uma única dose e o efeito do intervalo ampliado entre duas doses.
Foram analisados 3 estudos randomizados, duplo-cego e controlados. Os resultados primários foram infecções sintomáticas para COVID-19, confirmadas por amplificação de ácidos nucleicos, combinadas com pelo menos um sintoma clínico com mais de 14 dias após a segunda dose. Análises secundárias incluíram casos ocorridos mais de 21 dias após a primeira dose e qualquer teste de amplificação positivo. No Reino Unido infecções assintomáticas foram mensuradas semanalmente por exames (swabs) realizados pelos próprios voluntários. Respostas de anticorpos e neutralização com pseudovírus foram resultados exploratórios. As análises estatísticas foram robustas e significativas, com os autores retendo todo controle da pesquisa e da publicação.
Resultados demonstraram eficácia de 66,7% com mais de 14 dias após a segunda dose. Análises exploratórias da eficácia de uma única dose entre o dia 22 e o 90 após vacinação foi de 76% contra casos sintomáticos, sem queda significativa na dosagem de anticorpos. A eficácia de uma dose para qualquer amplificação positiva foi de 63,9%, sugerindo potencial para redução da transmissão. Nos participantes que receberam 2 doses a eficácia foi maior nos casos de intervalo entre doses de 12 semanas ou mais (81,3% contra 55,1% no caso de menos de 6 semanas). Os dados são corroborados pelos resultados de imunogenicidade.
O estudo conclui que o intervalo ideal entre as doses da vacina é de 12 semanas, sem diminuição da proteção nesses 90 dias iniciais. Não há evidências de duração da proteção, sendo recomendada uma segunda dose, que aumenta o nível de anticorpos neutralizantes, e provavelmente é necessária para garantir a proteção por maior período. Esses dados são importantes, pois em locais onde exista pouca disponibilidade de vacina pode se optar por imunizar uma população maior com uma única dose. Estudos recentes sobre adiar a segunda dose para vacinar uma parcela maior da população resultam em aumento imediato da proteção populacional.
A maior relevância do estudo é afirmar que um intervalo maior entre as doses é eficaz, podendo ser estratégico para o controle da pandemia, dada a escassez de insumos e vacinas ao nível mundial. No entanto, é importante salientar que são dados exploratórios que não foram previstos no estudo inicial.