SWÄRD, P. et al. Association between circulating furin levels, obesity and pro-inflammatory markers in children. Acta Paediatr. Jan. 2021 [Epub ahead of print]. Doi: 10.1111/apa.15774. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33486829/
Hoje sabe-se que a obesidade é o segundo maior fator de risco para a gravidade da doença por coronavírus, atrás apenas da idade. O artigo investiga associações entre níveis séricos de furina, obesidade, sobrepeso, gordura corporal, triglicerídeos e marcadores pró-inflamatórios de tecido adiposo ou inflamação sistêmica em uma coorte de crianças, de base populacional sueca. O estudo prospectivo POP (The Pediatric Osteoporosis Prevention) incluiu crianças de quatro comunidades próximas entre si e com nível socioeconômico similar. Participaram 349 crianças, sendo 192 meninos, com idade média de 7,7 anos. Quando atingiram os 9,9 anos de idade, 173 crianças forneceram amostras de sangue venoso para exames, sendo 166 resultados elegíveis para estudo.
Aferiu-se peso, altura e foi calculado o Índice de Massa Corporal (IMC = peso em kg / altura em metros2). Conforme os valores do IMC, as crianças foram classificadas em peso baixo a normal, sobrepeso, ou obesas, de acordo com o IOTF (International Obesity Task Force BMI cut-offs). A massa de gordura corporal total, a massa de gordura do tronco e o total de massa magra corporal foram aferidos por DXA (dual energy X-ray absorptiometry).
Foram dosados laboratorialmente Proteína C Reativa ultrassensível (PCRus), triglicerídeos, furina, leptina, proteína de ligação a ácidos graxos (adipocyte fatty acid binding protein →A-FABP), interleucinas IL6 e IL8. Todos esses marcadores podem estar alterados na vigência de uma inflamação sistêmica e estão associados com aumento do risco de resistência à insulina, com diabetes mellitus tipo 2 e com a progressão da aterosclerose.
A enzima furina é uma protease encontrada em grande quantidade no tecido pulmonar e é usada na clivagem de proteínas. Estudos sugerem que o SARS-Cov-2 usa esse caminho para remodelar suas principais proteínas virais e entrar nas células humanas. Quando essa enzima está em maior quantidade que o habitual ocorre uma capacidade maior de infectar células e do vírus fazer cópias de si mesmo. Níveis circulantes de furina em adultos de meia idade estão positivamente correlacionados com o IMC, com a síndrome metabólica e com um aumento da mortalidade e do risco de diabetes. Seus níveis estão ainda positivamente associados com os níveis de glicose, insulina e colesterol LDL, e negativamente com aos níveis de colesterol HDL.
Estatisticamente foi usada a correlação parcial de Pearson ajustada para idade e sexo, para investigar correlações entre níveis séricos de furina, a antropometria e outros marcadores séricos.
Constatou-se que os níveis circulantes de furina foram mais elevados em crianças com obesidade (62%) e sobrepeso (15%), em comparação com aquelas de peso baixo a normal. Houve correlações positivas entre furina circulante, IMC, massa de gordura corporal total, massa de gordura do tronco, percentual de gordura corporal, triglicerídeos, adipocinas (A-FABP e leptina) e marcadores pró-inflamatórios (IL-6 e PCRus). Não se observou correlações estatisticamente significativas entre furina e IL-8.
A obesidade leva o organismo a um processo inflamatório crônico, o que reduz as defesas contra o vírus. Além disso, as células gordurosas têm uma tendência a capturar os vírus da COVID-19 e mantê-los presos na corrente sanguínea por mais tempo. Isso prolonga o tempo de infecção nos pacientes obesos. Frequentemente pacientes obesos têm menor capacidade respiratória (apnéia do sono, maior cansaço, etc.), aumentando a probabilidade de evolução para quadros respiratórios mais graves.
Os resultados do presente estudo sugerem que níveis mais elevados de furina circulante podem ser uma ligação entre obesidade, entrada do vírus nas células pulmonares e COVID-19 grave em crianças.