KORALNIK, I.J.; TYLER, K.L. COVID-19: A Global Threat to the Nervous System. Annals of Neurology, v. 88, n. 1, p. 1–11, Jul. 2020. Doi:10.1002/ana.25807. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32506549/
Inicialmente considerada uma doença do sistema respiratório, atualmente está claro que a COVID-19 afeta múltiplos órgãos, incluindo o sistema nervoso. É crescente o número de manifestações neurológicas da infecção por SARS-CoV-2, que pode afetar tanto o sistema nervoso central (SNC), como encefalopatias e acidentes vasculares, quanto o sistema nervoso periférico, como disfunções do paladar e olfato, a síndrome de Guillain-Barre, e suas variantes. Diversos mecanismos podem explicar as manifestações neurológicas da COVID-19, incluindo o estado hiperinflamatório sistêmico e a hipercoagulação disseminada, a infecção direta do SNC (raro) e processos imunológicos pós-infecciosos.
Os estudos disponíveis até o momento mostram que a encefalopatia é a manifestação neurológica mais comum na COVID-19, mais presente em pacientes graves, com comorbidades e disfunções de múltiplos órgãos – hipoxemia, disfunção hepática e renal – e com elevação de marcadores de inflamação sistêmica. Entretanto, nestes pacientes o vírus SARS-CoV-2 não foi detectado no líquido cefalorraquidiano. A segunda manifestação neurológica mais comum da COVID-19 é o acidente vascular cerebral (AVC). Os primeiros casos de AVC eram pacientes mais velhos, que já tinham feito AVC isquêmico anteriormente, tinham comorbidades e marcadores inflamatórios elevados. Entretanto, relatos mais recentes descrevem episódios isquêmicos em pacientes mais jovens. Curiosamente, alguns desses pacientes não apresentavam fatores de risco clássicos para AVC, e alguns nem mesmo tinham desenvolvido os sintomas graves da COVID-19 antes do AVC. Porém, todos os pacientes apresentaram estado de hipercoagulabilidade e coagulação intravascular disseminada.
Há muitos casos de pacientes com características inflamatórias compatíveis com encefalite viral associada a COVID-19, como infiltrado de leucócitos e aumento de proteínas no líquido cefalorraquidiano, mas sem detecção da presença do vírus no SNC. Os estudos sugerem que a encefalite na COVID-19 pode ocorrer sem a infecção direta do SNC e apontam para mecanismos inflamatórios mediados pela resposta imune tardia. Complicações pós-infecciosas, mediadas pela resposta imunológica ao SARS-CoV-2, já foram reportadas, sendo a mais comum a síndrome de Guillain-Barre. Casos raros de encefalopatia necrosante aguda e encefalomielite disseminada aguda também já foram reportados na COVID-19.
Mas sem dúvida, o distúrbio neurológico mais comuns na COVID-19 é a perda de olfato e de paladar, que parece ser específico da infecção por SARS-CoV-2. Entretanto, o mecanismo deste distúrbio transitório ainda não está bem estabelecido.